Pra não dizer que não falei das flores, xô corrupção, “temo” limão e banha de porco

Vitória, Espírito Santo - Feira Legal

Estava em Vitória, Espírito Santo, – em um sábado de sol, com sopros de vento de final de inverno – e fui andar até a feira livre organizada pela prefeitura da cidade, entre as praças do Epa e do Carone. A princípio, a 1ª vista, uma feira livre e normal como tantas outras existentes no Brasil, aqui chamada de “Feira Legal”.

Feira livre é a maior fonte de abastecimento das cozinhas afetivas. É insubstituível, inigualável, nada se compara com a possibilidade de escolha e negociação (o pechinchar) que estas feiras nos permitem exercitar. Livre comércio, livre escolha, sem filas para o caixa, ou melhor, sem caixas, sem carrinhos. Aqui somos mais simples e mais próximo das nossas raízes mercantis.

Flores da Feira Legal

Adoro feira livre, de rua. É sempre um prazer andar por estas barraquinhas com gente que vende sua produção local. Assim foi com a feira de Vitória, que logo na 2ª olhada pareceu-me diferente e ao mesmo tempo próxima da feira que desenhou minha infância. Sou de Feira de Santana, Bahia, uma cidade que carrega no nome a palavra feira. Feira livre em Feira de Santana é uma cultura da cidade, das pessoas, celebrada com toda intensidade nas 2ªs feiras. Hoje a grande feira livre de Feira de Santana, não ocupa as ruas do centro da cidade, como na época em que eu e meus irmãos acompanhávamos nossa mãe às compras. Éramos os carregadores de sacolas e cestos, tarefa ricamente compensada com algum tipo de comida de rua, deliciosamente vendida na imensidão desta feira perdida na história. A grande feira livre das 2ªs feiras foi empurrada pelas forças do progresso e desenvolvimento para um local frio, o Centro de Abastecimento, que hoje é um grande polo de comércio com funcionamento durante toda a semana.

De volta a Vitória, a “Feira Legal” tem muito da cultura das feiras nordestinas, onde se vendem de tudo. Aqui só não encontrei a venda de animais vivos, ainda muito comum no interior de alguns estados brasileiros. O resto tinha de tudo, porém o que mais me chamou atenção foi a quantidade de “banha de porco” vendida em garrafas pet de refrigerantes e potes plásticos. Mais uma vez, volto as minhas memórias de infância. Na minha casa materna não entrava “óleo de cozinha”, cozinhava-se com banha de porco e outros animais. Algo quase impossível de se imaginar nos dias hoje, dias de alto colesterol e policiamento alimentar, que somos submetidos a todo instante.

Banha de Porco

Toda feira livre tem sonoridade própria. Mídia aqui é na garganta, onde os gritos dos feirantes, as conversas das comadres, carros de sons e repentistas misturam-se em uma típica sonoridade quase imperceptível. Em Vitória não foi diferente. Um protesto – Xô Corrupção – com poucos militantes caminhava pela feira acompanhado de uma bandinha com menos de ½ dúzia de músicos, ao som do hino do Corinthians, Amigo (de Roberto Carlos) e até a música tema dos programas de esportes da Rede Globo, enfim, tocava-se de tudo.

E “temo” limão, e “temo” cebola, e “temo” tomate, gritavam os feirantes. E temos de tudo mesmo neste divertido e afetivo universo livre de compras.

Verduras, Legumes, Frutas; uma barraca milimetricamente organizada com bacias coloridas

Para finalizar este sábado capixaba na feira livre, um momento quase surreal presenciado no final da feira, onde os consumidores que compravam panelas de alumínio, sandálias de couro, panos de pratos, artigos da China e outras mercadorias, eram embalados ao som de “Pra não dizer que não falei das flores”, música de Geraldo Vandré* de 1968, que vinha direto de um carro de som. Bem, Vandré não é memória afetiva de cozinha, é memória afetiva de um período triste da nossa história, mas que bom que venceram as flores e as feiras livres continuam sendo um grande espaço livre e democrático da nossa cultura popular brasileira.

Barraca da Altoé da Montanha

Requijão da Bahia, Queijos Locais, Queijo Coalho do Pará, Doces

Couve, Banana da Tera, Linguiça de Porco Caseira, Peixe do Mar Capixaba

Artigos da China, Avental, Panos de Prato

Colheres de Pau, Farinheiras, Artigos de Copa e Cozinha, Sandálias de Couro

*Geraldo Vandré é o nome utilizado por Geraldo Pedroso de Araújo Dias Vandregísilo, paraibano de João Pessoa, nascido em 12/09/1935. Seu sobrenome é uma abreviatura do sobrenome do seu pai, José Vandregísilo, de quem ele herdou o sobrenome  Vandré.

Em 1966, chegou à final do Festival de Música Popular Brasileira da TV Record com o sucesso Disparada, interpretado por Jair Rodrigues. A canção arrebatou o primeiro lugar ao lado de A Banda, de Chico Buarque.

Em 1968, participou do III Festival Internacional da Canção com Pra não dizer que não falei das flores ou Caminhando (http://letras.terra.com.br/geraldo-vandre/46168/). A composição se tornou um hino de resistência do movimento civil e estudantil que fazia oposição à ditadura militar durante o governo militar, e foi censurada. O Refrão “Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora, / Não espera acontecer” foi interpretado como uma chamada à luta armada contra os ditadores. No festival a música ficou em segundo lugar, perdendo para Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim.

Hoje Geraldo Vandré reside na cidade de Inbituba, no litoral sul de Santa Catarina. Em 2010 concedeu uma polêmica entrevista criticando o cenário cultural brasileiro desde os anos 1970 e afirma que seu afastamento da música popular não foi causado pela perseguição sofrida pela ditadura militar.

Pica-pau a venda na Feira Legal

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