Pitacos Culinários, Vatapá e Frango com Quiabo Inteiro

Hoje descobri que fico muito irritado com pitacos e comentários quando estou na cozinha mergulhado no cozinhar de alguma coisa que tenho certeza que sei fazer. O preparo é sem receitas, medindo tudo no olho, na mão, observando apenas a consistência, a textura, os sabores, os aromas e os barulhos que os ingredientes fazem na tentativa de nos falar alguma coisa.

Foi uma descoberta meio que estranha. Não tinha consciência dessa minha qualidade ou defeito culinário, pois, ao mesmo tempo que fico irritado, desenvolvo simultaneamente uma capacidade de não processar o que estão falando, de sorri disfarçadamente meio de ladinho, de escutar sem ouvir, de olhar sem ver, continuando cozinhando da minha forma, sem mudar meus rumos, como se só estivesse na cozinha, onde uma 4ª parede cênica me isolasse por completa daquela plateia que acha-se no direito de opinar, criticar, meter literalmente a colher antes do término do espetáculo.

Estávamos na casa do meu irmão, na Ilha de Itaparica, na Bahia. O objetivo era fazer um almoço para o aniversário dele com 3 pratos: vatapá, galinha com quiabos inteiros e arroz. A casa é grande, a cozinha nem tanto, mas estava muito pequena com a quantidade de frequentadores. Uma casa de família, com cerca de 35 convidados, entre familiares, amigos e amigos dos amigos, na faixa etária dos 5 aos 80 anos.

Vamos imaginar o entra e sai da cozinha com horários alternados para o café da manhã. Uns querendo cuscuz com ovos, outros já requentando a feijoada do dia anterior e uns e outros devorando as bolachas folhadas 7 capas de canela e rosquinhas de coco, todas para serem molhadas no café quente com leite. Eu no meio da loucura do cadê a manteiga, de onde está o leite, do ovo que vai queimar, das crianças que não podem ficar na cozinha, não? Mas qual o motivo? Que memórias de cozinha as crianças irão ter se não podem ficar na cozinha? Fiquem! Querem adoçante. Adoçante? Mas estão comendo feijoada requentada com cuscuz e ovos fritos e querem adoçante para adoçar ainda mais o achocolatado industrial? E os gatos de rua que chegam pela porta da cozinha atraídos pelos perfumes culinários? Já passava das 11 horas da manhã e o vatapá ainda não estava no fogo. Senhor dos céus, será que eles não irão à praia? Foram, e de repente um certo silêncio ensurdeceu os meus ouvidos.

Fazer vatapá para mim, apesar do trabalho braçal, não é difícil. Já tenho a receita na cabeça e no coração. Aprendi olhando e comendo o da minha mãe, um vatapá inigualável. Quero acreditar que o meu lembra um pouquinho o dela, da Dona Maria, a minha luz culinária que me ilumina todas as vezes que vou à cozinha fazer alguma receita afetiva herdada da minha casa materna. O que não tinha consciência, entretanto, era essa minha irritabilidade ao receber os pitacos. Estava cercado por todos os lados de mulheres e homens cozinheiros, de várias idades. Gente que cozinha para muita gente, que faz comidão baiano. Normal que sugestões viessem em pencas derrubando minha frágil 4ª parede cênica de isolamento. E vieram, mas resistir bravamente, irritadamente.

“O meu pão eu coloco de molho na água, não no leite de vaca, assim posso espremê-los bem e o fermento vai sair junto com a água”.

O meu não!

“Só uso cebola, amendoim, castanha de caju e muito leite de coco. Você irá usar tomate, pimentão, alho e coentro”?

Sim, vou.

“Colocar logo a metade do azeite de dendê no inicio, faz a massa ficar mais leve para mexer”.

É? Prefiro colocar só no final.

“O ponto está difícil de chegar, coloca um pouco de farinha de trigo que engrossa”. Hã? Tá!

“O liquidificador está fedendo a queimado, não bata muito tempero junto”.

Sim!

“Quer colocar meu pozinho de vatapá? Sempre compro na feira livre, deixa um gostinho ótimo”.

Hã? Hã? Não, obrigado.

Cadê o azeite de oliva extravirgem?

“Aqui”.

Isso aqui não é extravirgem, isso é um óleo composto.

“Mas é ótimo, deixa um gostinho ótimo”.

Para o seu o vatapá. Alguém, por favor, poderia ir ao mercadinho comprar um azeite de verdade? Se não achar, vai sem azeite.

O almoço saiu por volta das 16 horas. Como já falei, eu sei fazer vatapá e ficou muito bom. Tenho a receita aqui no Cozinha Afetiva (em “pesquisa”, inserir Vatapá), bem detalhada. Mais abaixo irei passar a receita do frango com quiabos inteiros, sem as quantidades.

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O melhor de tudo isso são as relações que sempre ficam mais fortalecidas, não importam os pitacos nem a irritabilidade, que na verdade é uma grande bobagem. Geramos mais DNA afetivos culinários para manutenção das nossas memórias de cozinha, mais   heranças para nossas crianças. Almoços de famílias e amigos nos deixam mais próximos, unidos e entrelaçados por tomates, coentros, cebolas, farinhas, grãos, vatapás, por sabores, aromas e prozas. Foi uma delicia cozinhar para todos, especialmente para minhas mulheres e homens cozinheiros dos pitacos que nos alimentam com muito afeto culinário.

FRANGO COM QUIABOS INTEIROS

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INGREDIENTES

  • Frango em pedaços
  • Quiabo
  • Cebola, alho, gengibre, coentro, cebolinha, pimentão e tomate
  • Amendoim
  • Castanha de caju
  • Leite de coco
  • Camarão seco sem casca e cabeça
  • Azeite de dendê
  • Azeite de oliva extravirgem
  • Pimenta do reino
  • Sal

MODO DE PREPARO

  1. Tempere o frango com sal e pimenta do reino, reserve em uma panela grande;
  2. Bata bem todos os temperos (cebola, alho, gengibre, coentro, cebolinha, pimentão e tomate), amendoim e castanha de caju com o leite de coco no liquidificador;
  3. Despeje o tempero batido no frango, acrescente o camarão seco e o azeite de dendê;
  4. Cozinhe em fogo baixo até deixar o frango macio (se necessário adicione mais leite de coco e ajuste o sal durante o cozimento);
  5. Adicione os quiabos inteiros e cozinhe-os até deixá-los macios;
  6. Desligue o fogo e acrescente o azeite de oliva extravirgem;
  7. Sirva quente com o vatapá e o arroz.

25 de agosto de 2018 – Iha de Itaparica / Bahia

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