Para 2012 encontrei dois caminhos para seguir e alimentar meu ano novo. Estes caminhos foram-me apresentados pelo Rubem Alves no livro Variações Sobre o Prazer (Editora Planeta, 2011).
Na verdade não são bem caminhos, mais sim feiras metafóricas de coisas, com muitas opções, onde podemos escolher o que colocar nas nossas cestas e sacolas, e assim decidir nosso melhor caminho a partir destas escolhas.
A ideia de separar as coisas em duas classes, as que devem ser usadas e as que devem ser fruídas, é de santo Agostinho. Chamar cada uma dessas ordens de feiras é do Rubens Alves, explica o autor.
Feira de utilidades ou feira de fruição?
Utilidades, do latim “uti”, usar. Na etimologia da palavra já fica claro que estamos diante de uma feira de coisas uteis: utensílios, ferramentas, objetos necessários para alcançar ou produzir aquilo que se deseja[1].
Fruição, do latim “frui”, fruir, desfrutar. É a feira do amor, onde estão os objetos que dão prazer: sua posse nos torna feliz[2], e aqui repetimos o texto de santo Agostinho, citado pelo Rubem Alves: Fruir uma coisa é amar esta coisa por causa de si mesma; usar uma coisa é, por outro lado, utilizá-la para se obter uma outra coisa.
O prazer que a panela pode me dar não é ela que me dá. Panela não pode ser comida. O prazer que a panela me dá se deve ao fato de que nela o meu sonho gastronômico se transforma em realidade[3]. Com este exemplo, fica claro o que devemos colocar na nossa cesta de utilidades – a panela – e o que podemos levar para nossa cesta de fruição – o prazer gastronômico, o sabor, o sensorial da comida que a útil panela pode servir de meio para nos deliciar.
Na feira de fruição moram os sábios, os degustadores, aqueles que transformam os objetos em partes do seu próprio corpo[4], por isso as relações afetivas da cozinha estão inseridas nas feiras de fruição, enquanto as ferramentas que fazem parte destas cozinhas – fogões, pratos, panelas, eletrodomésticos – estão nas prateleiras das feiras de utilidades, servindo de meios para que possamos fruir pelas cores, sabores, texturas e odores da verdadeira comida afetiva.
As feiras de santo Agostinho são metáforas para uma filosofia de vida. Elas nos dão um paradigma de uma sapientia, de um jeito de viver. E esse paradigma nos diz que os objetivos da vida são o prazer, a alegria, a felicidade[5], portanto, não tenho dúvida que irei à feira em 2012, como também não tenho dúvidas que à feira será de fruição.
Feliz fruição em 2012!
[1] Variações Sobre o Prazer, pag 94
[2] Variações Sobre o Prazer, pag 101
[3] Variações Sobre o Prazer, pag 97
[4] Variações Sobre o Prazer, pag 105
[5] Variações Sobre o Prazer, pag 112